Escolhi falar desta pintura de Thomas Moran não só por ser uma pintura linda e impressionante mas pelo impacto que teve fora do mundo da pintura; é um exemplo de como o mundo da arte não é algo desconexo do restante.
Em 1871 uma expedição realizada por Ferdinand Hayden foi enviada para poder fazer um reconhecimento aprofundado da região de Yellowstone, Thomas Moran era um dos membros dessa expedição; à partida, enviar um pintor para uma expedição científica parece fazer pouco sentido, porque não enviar mais um geólogo ou um arqueólogo? Quando nos lembramos que nesta altura os meios de comunicação eram muito rudimentares, e que ainda por cima, a zona central dos Estados Unidos estava praticamente deserta e inabitada, passa a fazer todo o sentido enviar um pintor a uma expedição científica, ele iria ser os olhos do presidente, e por conseguinte, os olhos do povo americano que tão ansiosamente queria saber informações acerca da inexplorada zona fronteiriça americana.
A produção artística de Thomas Moran nesta expedição é simplesmente estonteante, não só pela qualidade, mas também pela expressividade e magia que ele dá às suas obras e ainda pelo próprio volume impressionante de criação que ele gerou com esta viagem; sendo esta uma de muitas obras impressionantes que ele fez.
Alguns exemplos de obras resultantes da expedição de Moran
A pintura em questão que vou abordar é a peça central de todo este tesouro artístico.
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A pintura do canyon de Yellowstone foi pintada logo após a expedição e é impressionante em todos os sentidos, a sua escala é arrebatadora e o facto de Moran ter incluído pessoas na pintura serve para realçar a pequenez humana face à grandeza da natureza, um tema recorrente no romantismo, estilo artístico onde se insere esta pintura.
Na verdade, Moran não se insere simplesmente no romanticismo, ele era membro da Escola do Rio Hudson, um grupo de pintores americanos que se especializaram nas paisagens de carácter romântico, ao contrário das suas contra-partes europeias, que muitas vezes se focavam no misterioso, estes pintores focavam-se na grandiosidade do espaço natural, criando várias obras amplamente conhecidas e de carácter monumental.
Olhando para a pintura vemos a grandeza do espaço, o olhar é atraído para o centro, quer para as cascatas, para os fortes azuis ou para as figuras humanas tão pequenas na paisagem.
Como em outras ocasiões, uma das coisas que me atrai nesta pintura é a utilização de cores vibrantes, não só através do forte azul das águas e dos laranjas das rochas mas também através da exacerbação da cor através do contraste de um primeiro plano escurecido com um fundo brilhante fazendo realçar a brancura das rochas de Yellowstone e o contorno das figuras humanas centrais.
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Fotografia moderna do canyon de Yellowstone
Para fazer esta pintura, Moran teve de utilizar diversos tipos de trabalho de pincel para obter os efeitos que pretendia. Para criar a cascata no centro da pintura, assim como a bruma causada pela água em queda, usou pinceladas rápidas e leves. Já para simular a textura das rochas, utilizou a técnica de impasto, onde se aplica a tinta de forma espessa, criando assim uma textura rugosa maleável para o pintor.
São os pequenos detalhes que realmente transformam esta pintura em algo que vai mais além de uma simples paisagem. Moran introduziu pequenas cenas que dão personalidade ao cenário e que numa primeira vista passam totalmente despercebidos, mas quando se olha para lá com mais atenção começam a aparecer.
Os exploradores estão a ser guiados por um índio, que conhece o terreno, ele aparece no centro da pintura, numa altura em que os povos indígenas eram muitas vezes ou escondidos, ou retratados como vilões, o facto de Moran expor não só a importância que tiveram para o sucesso da expedição, como também colocá-los num lugar de destaque, é mais valioso do que pode parecer. Vários animais surgem na paisagem, escondidos, no inicio passam totalmente despercebidos, mostram que este não é simplesmente um paraíso paisagístico num vácuo, mas sim um terreno natural e vivo, habitado por inúmeras espécies. Não só os animais habitam a paisagem, como podemos ver que uma aldeia, presumivelmente índia, se encontra ao longe, visível apenas através das suas fogueiras, mostrando que esta terra não é tão selvagem como parece e que já era habitada por seres humanos.
Há um detalhe da pintura que me fascina imenso e é talvez o meu aspecto preferido da mesma.
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Sentado numa rocha, está o próprio Thomas, fazendo com que esta pintura na verdade também seja um auto-retrato, talvez o auto-retrato mais monumental de sempre. Podemos ver que ele está com o seu caderno a tirar apontamentos ou a fazer um esboço do local.
Uma coisa torna-se então aparente, se ele estava naquele local durante a visita a este sitio, então porque é que a pintura não foi feita a partir daquele ponto de vista? E é aí que entra a verdadeira magia desta obra, o ponto e vista utilizado para a pintura é na realidade inacessível ao pintor, ele não esteve no lugar de onde a pintura é vista, ele consegui criar uma imagem mental de como seria a paisagem caso ele estivesse naquele lugar, podendo-se representar a si mesmo na terceira pessoa. O facto de ele ter tanto a perspicácia para reconhecer o ponto de vista fantástico da pintura mesmo sem ter lá estado, o facto de ter conseguido visualizar mentalmente como seria a imagem, e o facto de conseguido memorizar tudo isto para mais tarde criar esta tremenda obra é um aspecto completamente impressionante e que me enche de fascínio.
Quando esta obra foi finalmente vista pelo congresso americano e pelo presidente Ulisses S. Grant, foi a peça chave para os finalmente convencer de que Yellowstone deveria ser um parque natural, e com isto, foi criado aquilo que talvez seja o primeiro parque natural do mundo, garantido a preservação daquele pedaço único de paisagem norte americana.
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Foi ainda exibida na grande exposição universal de Paris em 1878 onde ganhou a medalha de ouro, mostrando a excelência dos artistas americanos e a sua capacidade para impressionar o público europeu. Foi tão bem recebida que mais tarde em 1893 Moran iria fazer uma nova pintura retratando o mesmo cenário, desta vez de forma ainda mais detalhada.
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Pintura de 1893 feita por Thomas Moran
Isto mostra a influencia que uma simples pintura pode ter no mundo e na história humana, e esta, é sem dúvidas uma das que merecem ser relembradas.
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